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sábado, 17 de outubro de 2020

Memórias póstumas a Beto Palhano

Roberto Rodrigues Palhano

 - Bicho, eu trouxe umas mangas pra vocês. O pé lá de casa tá carregado!


Beto Palhano anunciava, de vez em quando, já encostando a sua bike na lateral da garagem, quando chegava para as gravações que eu montei lá em casa, no bairro do ex-ditador Ernesto Geisel. Ele conhecia esse território como poucos. Era frequentador assíduo do mercado-feirinha, aonde quase todos o reconheciam. Encontrei com eles várias vezes levando o neto, Vito, para as aulas de Karatê num mestre que ensinava a arte oriental ali perto da Comunidade Doce Mãe de Deus.

Palhano, Mozart, Wellington e Dalmo
 na frente da Rádio Tabajara | Foto: Maurício Alves


Eu comecei a me aproximar de Palhano há cerca de 15 anos, por iniciativa dele, que me convidou para fazer parte de uma coordenação da ONG que ele criara, a Sociedade Cultural Posse Nova República, juntamente com o rapper Cassiano. Tendo vivido uma fase de sua vida em Itabaiana, Palhano me apresentou mais dois caras que se somaram á gente nessa aventura comunitária: o escritor e blogueiro Fábio Mozart e o cineasta.

Esses três já haviam feito rádio juntos em Itabaiana, quando a Ditadura Militar reinava solta. No Geisel, esse grupo, mais o músico e agitador cultural Gilberto Júnior, começou a organizar uma série de movimentações a fim de implantar uma FM comunitária, que já tinha até nome “Rádio Comunitária Zumbi dos Palmares”.


Mas foi só em 2011 que nós realmente começamos a nos conhecer melhor e o que seria apenas um convívio militante, um exercício lúdico no prazer de fazer rádio, foi se transformando rapidamente numa amizade fraterna, solidária.

Reunião da diretoria da Sociedade Cultural Posse Nova República,
lá em casa, com Mozart, Fabiana, Palhano, Veloso e Dalmo | Foto: Julia Veloso


Entre 2011 e 2019 nós assumimos um ritual quinzenal e edificante. Sairmos juntos do Geisel para o Castelo Branco, no início das tardes nos sábados, para apresentar o programa “Alô Comunidade”, na gloriosa Rádio Tabajara AM da Paraíba.


Geralmente eu passava na casa dele por volta das 13h30. Quando eu atrasava mais um pouquinho, Palhano ficava tiririca. Chapéu tipo Panamá do Paraguai, agenda surrada, algumas laudas impressas.

Inauguração do estúdio da Zumbi Web no Geisel (da esquerda para direita:
Dalmo, Fabiana, Veloso, Palhano e Mozart) | Foto: Julia Veloso


- Cara, hoje eu não encontrei quase nada na internet, me avisava logo, dando satisfação sobre os conteúdos que garimpava para apresentar no programa.


Mesmo nos dias mais frios e chuvosos, ele não abria mão de usar bermudão e sandálias de couro. Nos primeiros anos, depois do programa a gente tomava umas cervejas no bar de Carrá ou em Celinha, para analisar a performance na Tabajara. Às vezes até, dependendo da figura, o convidado para a entrevista da semana nos acompanhava nos drinks. Numa dessas bebericagens pós-rádio, saímos com Totonho para tomar umas e almoçar lá mesmo no Castelo. Mas no ano passado, Beto parou de beber por causa de um problema grave, que quase o levara ainda mais precocemente.

Alô Comunidade itinerante numa comunidade rural de Pilar (da esquerda
pra direita: Palhano, Dalmo, Jacinto Moreno e Dr. Lúcio) | Foto: Fábio Mozart


O Alô Comunidade deu a Palhano a oportunidade de exercer algo que sempre esteve em seu DNA: a comunicação, o jornalismo. Mesmo sem remuneração e numa condição não-profissional, essa atividade o enchia de satisfação e orgulho. Sua autoestima se elevou visivelmente e a comunidade passou a respeitá-lo mais por isso.


Com seu jeito quase árido, arguto e engraçado, Roberto Rodrigues Palhano conquistou também os colegas que trabalham na Rádio Tabajara, especialmente a galera do esporte, como Jorge Blau Silva, Sérgio Taurino e Lima Souto.

Dalmo Oliveira, Cátia de França e Roberto Palhano depois
de mais uma Alô Comunidade nos estúdios da Tabajara AM


Beto Palhano & Zé Katimba


Minha amizade com Palhano se consolidou ainda mais depois de 2013, quando ele me acompanhou em algumas atividades especiais ciceroneando o sambista que retornava à Paraíba depois de 70 anos de um êxodo involuntário para o Rio de Janeiro.


Lembro bem do dia em que levamos Katimba para comer uma peixada em Cabedelo, na companhia do primeiro biógrafo de Zé, meu amigo jornalista Fernando Paulino (in memoriam). Fomos recebidos por Wellington Costa que na época era secretário de Comunicação da prefeitura portuária.

Almoço histórico (no sentido horário: Ceiça Chaves, Palhano,
Dalmo, Fernando Paulino, Zé Katimba, Wellington Costa)


Palhano atuava na SECOM de Cabedelo. Fez uma articulação espetacular para proporcionar o passeio cultural com Katimba. Ele curtiu muito esse período de assessor de imprensa, quando pode conhecer de perto os bastidores do poder local.


Dois anos depois, em 2015, Beto Palhano me assessorou na organização da primeira turnê do sambista guarabirense em terras paraibanas. Nos shows que promovemos no Teatro Geraldo Alverga e na Usina Cultural Energisa, Palhano me deu um suporte imprescindível na gestão de bilheteria. Também deu pitacos em outros detalhes da produção e manteve uma sintonia de vibração muito boa com o Katimba.

Palhano usando microfone da Tabajara AM

Na semana anterior ao seu falecimento, Palhano desceu ,de bike ,até Manaíra. Eu tava veraneando uns dias em Camboinha. Ele desistiu de ir nos visitar porque achou que iria incomodar muito cedo da manhã.


- Bicho, de seis horas da manhã eu tava no Bessa, fazendo exames de sangue! A gente poderia ter se encontrado para, pelo menos, comer uma pamonha com café na Praça do Cajú, reclamei.

- Fica pra próxima!!











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