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quarta-feira, 22 de junho de 2011

Sentença às avessas: quem se responsabiliza pelo discurso de Anacleto!?


por Janaine Aires*

Os comentários de Anacleto Reinaldo, em geral, causam perplexidade àqueles que adotam um mínimo de criticidade ao assisti-lo. Na última sexta-feira, no entanto, a perplexidade abriu espaço para uma veemente preocupação.
A adolescente Andreza, de 13 anos, havia sido assassinada na comunidade onde vive. O cenário da matéria de Vinicius Henriques era a comunidade do Tieta no bairro do Geisel, em João Pessoa. Andreza estava morta no quintal de uma casa recuperada pelo programa "Minha Casa, nossa cidade", que não era sua, mas que no desespero de uma emboscada ela recorreu para se proteger.
O repórter retratou a situação de seu trabalho, salientando o silêncio dos policiais. Já que desde que Ricardo Coutinho assumiu o governo do Estado, alguns setores da polícia evitam fornecer informações para a imprensa.Esta diretriz política merece, sem dúvidas, uma profunda reflexão a parte, mas já é possível adiantar que ela, de certo modo, imprimiu uma nova rotina no jornalismo policial. Calados, os policiais contribuíram mesmo que sem querer para que, sem a "fala oficial", a equipe de reportagem de dispusesse a contatar outras fontes.
Ao contrário do silêncio costumeiro, duas pessoas não identificadas toparam falar sobre a menina. A primeira a falar sobre Andreza disse conhecê-la 'de vista', mas garantiu que ela era uma adolescente normal. Depois de um apelo insistente do microfone da TV Arapuan e do coadjuvante microfone da TV Tambaú às amigas de Andreza que choravam abraçadas e buscavam, uma no corpo da outra, um mínimo de privacidade, respeito e amparo, o repórter foi correspondido por um morador da comunidade. Foi a vez dele de dizer: 'Andreza era uma menina normal como estas duas que estão chorando por ela'. O morador acrescentou o lugar onde a menina morava e disse conhecer a sua mãe, 'que mora na rua principal', pressupôs que 'ela devia estar na hora e no lugar errado para ter sido assassinada'. O fato de que alguns moradores se dispuseram a falar, em grande medida, já pode ser um pressuposto de que, no ambiente em que vive Andreza não representa uma ameaça à comunidade.
Aqui, cabe um parênteses. De modo geral, os jornalistas e os policiais costumam lidar com o silêncio da comunidade quando acontecem casos de assassinato de pessoas que dentro daquele espaço representam medo ou detém certo poder. Além de também ser resposta da comunidade à mídia, que costumeiramente veicula um retrato sanguinolento da periferia, o silêncio dos moradores já evidencia o distanciamento que eles querem ter daquela realidade. No caso de Andreza, aconteceu o contrário. As pessoas se dispuseram a falar sobre ela.
Seguindo a 'cerimônia', a morte da adolescente segue para a sentença de Anacleto. Como se estivesse em um tribunal e mesmo sem aqueles arrodeios da justiça, Anacleto é pago para dar sua sentença.
Ele começa com uma piadinha: 'É... a Tieta do Agreste'.
Inicialmente, há um lamento: 'Mais uma menina jovem que morre, rapaz... ';
Depois é que vem a sentença: 'É isso mesmo, vai se meter com quem não presta. Olha o que dá'.
'A mãe chorando do outro lado, que coisa'.
'Isto dai, são as más compainhas, vai se meter com cabra safado, maconheiro fedorento, é nisso que dá'.
'por isso que eu digo, você que é pobre e vai parir - Anacleto se acocora e faz um gesto ilustrativo de que está parindo algo, de parto normal - , pegue o seu menino e leve para uma creche para não acabar como essa dai'.
'Coloque em uma creche para não crescer e virar uma rapariguinha pequena ou um maconheirozinho fedorento'.'ladrão-safado, viado-maconheiro'.
'Tem que estar do lado para disciplinar, para colocar rédeas, para não permitir que os filhos se envolvam com que não presta'.
Para complementar seus conselhos, Anacleto apela para as autoridades públicas. Segundo ele, o governo tem investir no planejamento familiar e evitar que os pobres se procriem. O apresentador atribui ao Programa de distribuição de renda - Bolsa Família, a alcunha de 'Bolsa Vagina'. Já que, como alguns setores da sociedade, crê na perspectiva que o programa incentiva os cidadãos, através da remuneração mensal, a terem filhos.
Até aqui, preferi adotar um tom 'descritivo' do que permanece na minha memória. O programa não foi veiculado na internet. A preocupação, a qual me referi no início do texto, entre outros fatores, está na falta de conexão entre o teor da matéria e o que Anacleto falou. Mesmo que houvesse esta conexão, a preocupação resistiria.
Andreza é uma vítima, foi assassinada, teve seu corpo exposto na televisão e mesmo assim, optou-se por culpá-la, enquadrá-la em uma categoria social, criada ao bel-prazer do apresentador, de 'rapariguinha pequena', apresentar aquele assassinato como um castigo ao seu aparente comportamento. Este fato demonstra a falta de sensibilidade da abordagem. Tive a impressão de que o Apresentador não assistiu a matéria e aplicou um esquema já estabelecido para analisar casos de garotas assassinadas. A preocupação se estende e se fortalece. É preciso recusar esta maneira de narrar, descrever e registrar a história da nossa periferia.
É preciso estar atento ao teor 'higienizante' presente na fala de Anacleto, 'levar para uma creche para ser criado por terceiros' é apostar que a violência está ligada diretamente à pobreza, é apostar que é preciso esterilizar os pobres. E esta é a chave explicativa inerente também ao comportamento daqueles que saem de casa para tocar fogo em mendigos ou para esfaquear travestis, por exemplo.
É preciso questionar esta dinâmica, que não foi criada por Anacleto e não se resume a ele. Mas que é sustentada por uma aposta jornalística, que está incluída em uma esquema de competição com outros produtos do gênero. O discurso do Chumbo Grosso representa uma equipe, as pessoas que assinam aquele produto, que assistem e, também, aqueles que patrocinam. Todos eles precisam ser responsabilizados também. 
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*Janaine Aires é jornalista e estudante de Relações Internacionais.É membro do Observatório da Mídia Paraibana e militante do Coletivo COMjunto de Comunicadores Sociais.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Por que os jornalistas estão adoecendo mais?

por Texto: Elaine Tavares*


O psicólogo, professor e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, Roberto Heloani, conseguiu levantar um perfil devastador sobre como vivem os jornalistas e por que adoecem. O trabalho ouviu dezenas de profissionais de São Paulo e Rio de Janeiro, a partir do método de pesquisa quantitativo e qualitativo, envolvendo profissionais de rádio, TV, impresso e assessorias de imprensa.
Segundo Heloani, a mídia é um setor que transforma o imaginário popular, cria mitos e consolida inverdades. Uma delas diz respeito à própria visão do que seja o jornalista. Quem vê a televisão, por exemplo, pode criar a imagem deformada de que a vida do jornalista é de puro glamour. A pesquisa de Roberto tira o véu que encobre essa realidade e revela um drama digno de Shakespeare. Deixa claro que, assim como a absoluta maioria é completamente apaixonada pelo que faz, ao mesmo tempo está em sofrimento pelo que faz, o que na prática quer dizer que, amando o jornalismo, eles não se sentem fazendo esse jornalismo que amam, sendo obrigados a realizar outra coisa, a qual odeiam. Daí a doença!
Um dado interessante da pesquisa é que a maioria do pessoal que trabalha no jornalismo é formada por mulheres e, entre elas, a maioria é solteira, pelo simples fato de que é muito difícil encontrar um parceiro que consiga compreender o ritmo e os horários da profissão. Nesse caso, a solidão e a frustração acerca de uma relação amorosa bem sucedida também viram foco de doença.
O aumento da multifunção
Heloani percebeu que as empresas de comunicação atualmente tendem a contratar pessoas mais jovens, provocando uma guerra entre gerações dentro das empresas. Como os mais velhos não tem mais saúde para acompanhar o ritmo frenético imposto pelo capital, os patrões apostam nos jovens, que ainda tem saúde e são completamente despolitizados. Porque estão começando e querem mostrar trabalho, eles aceitam tudo e, de quebra, não gostam de política ou sindicato, o que provoca o enfraquecimento da entidade de luta dos trabalhadores. "Os patrões adoram porque eles não dão trabalho."
Outro elemento importante desta "jovialização" da profissão é o desaparecimento gradual do jornalismo investigativo. Como os jornalistas são muito jovens, eles não têm toda uma bagagem de conhecimento e experiência para adentrar por estas veredas. Isso aparece também no fato de que a procura por universidades tradicionais caiu muito. USP, Metodista ou Cásper Líbero (no caso de São Paulo) perdem feio para as "uni", que são as dezenas de faculdades privadas que assomam pelo país afora. "É uma formação muitas vezes sem qualidade, o que aumenta a falta de senso crítico do jornalista e o torna mais propenso a ser manipulado." Assim, os jovens vão chegando, criando aversão pelos "velhos", fazendo mil e uma funções e afundando a profissão.
Um exemplo disso é o aumento da multifunção entre os jornalistas mais novos. Eles acabam naturalizando a ideia de que podem fazer tudo, filmar, dirigir, iluminar, escrever, editar, blogar etc... A jornada de trabalho, que pela lei seria de cinco horas, nos dois estados pesquisados não é menos que 12 horas. Há um excesso vertiginoso.
Doença é consequência natural
Para os mais velhos, além da cobrança diária por "atualização e flexibilidade", há sempre o estresse gerado pelo medo de perder o emprego. Conforme a pesquisa, os jornalistas estão sempre envolvidos com uma espécie de "plano B", o que pode causa muitos danos a saúde física e mental. Não é sem razão que a maioria dos entrevistados não ultrapasse a barreira dos 20 anos na profissão. "Eles fatalmente adoecem, não aguentam."
O assédio moral que toda essa situação causa não é pouca coisa. Colocados diante da agilidade dos novos tempos, da necessidade da multifunção, de fazer milhares de cursos, de realizar tantas funções, as pessoas reprimem emoções demais, que acabam explodindo no corpo. "Se há uma profissão que abraçou mesmo essa ideia de multifunção foi o jornalismo. E aí, o colega vira adversário. A redação vive uma espécie de terrorismo às avessas."
Conforme Heloani, esta estratégia patronal de exigir que todos saibam um pouco de tudo nada mais é do que a proposta bem clara de que todos são absolutamente substituíveis. A partir daí o profissional vive um medo constante, se qualquer um pode fazer o que ele faz, ele pode ser demitido a qualquer momento. "Por isso os problemas de ordem cardiovascular são muito frequentes. Hoje, Acidentes Vasculares Cerebrais (AVCs) e o fenômeno da morte súbita começam a aparecer de forma assustadora, além da sistemática dependência química".
O trabalho realizado por Roberto Heloani verificou que, nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, 93% dos jornalistas já não tem carteira assinada ou contrato. Isso é outra fonte de estresse. Não bastasse a insegurança laboral, o trabalhador ainda é deixado sozinho em situações de risco nas investigações e até na questão judicial. Premidos por toda essa gama de dificuldades, os jornalistas não têm tempo para a família, não conseguem ler, não se dedicam ao lazer, não fazem atividades físicas, não ficam com os filhos. Com este cenário, a doença é consequência natural.
Transformados em sócios-cotistas
O jornalista ganha muito mal, vive submetido a um ambiente competitivo ao extremo, diante de uma cotidiana falta de estrutura e ainda precisa se equilibrar na corda bamba das relações de poder dos veículos. No mais das vezes, estes trabalhadores não têm vida pessoal e toda a sua interação social só se realiza no trabalho. Segundo Heloani, 80% dos profissionais pesquisados tem estresse e 24,4% estão na fase da exaustão, o que significa que de cada quatro jornalistas, um está prestes a ter de ser internado num hospital por conta da carga emocional e física causada pelo trabalho.
Doenças como síndrome do pânico, angústia e depressão são recorrentes e há os que até pensam em suicídio para fugir desta tortura, situação mais comum entre os homens. O resultado deste quadro aterrador, ao ser apresentado aos jornalistas, levou a uma conclusão óbvia. As saídas que os jornalistas encontram para enfrentar seus terrores já não podem mais ser individuais. Elas não dão conta, são insuficientes.
Para Heloani, mesmo entre os jovens, que se acham indestrutíveis, já se pode notar uma mudança de comportamento na medida em que também vão adoecendo por conta das pressões. "As saídas coletivas são as únicas que podem ter alguma eficácia", diz ele. Quanto a isso, o presidente do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina, Rubens Lunge, não tem dúvidas. "É só amparado pelo sindicato, em ações coletivas, que os jornalistas encontrarão forças para mudar esse quadro."
Rubens conta da emoção vivida por uma jornalista na cidade de Sombrio, no interior do estado, quando, depois de várias denúncias sobre sobrecarga de trabalho, ele apareceu para verificar. "Ela chorava e dizia, `Não acredito que o sindicato veio´. Pois o sindicato foi e sempre irá porque só juntos podemos mudar tudo isso." Rubens ainda lembra dos famosos pescoções, praticados por jornais de Santa Catarina, que levam os trabalhadores a se internarem nas empresas por quase dois dias, sem poder ver os filhos, submetidos a pressão, sem dormir. "Isso sem contar as fraudes, como as de alguns jornais catarinenses que não têm qualquer empregado. Todos são transformados em sócios-cotistas. Assim, ou se matam de trabalhar, ou não recebem um tostão."

* O estudo foi apresentado em 2010 durante Congresso Estadual dos Jornalistas de Santa Catarina. fonte: http://www.sjsp.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=3374&Itemid=1