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segunda-feira, 12 de abril de 2010

Censura, autocensura e dependência econômica na imprensa da Paraíba








Por Dalmo Oliveira



O episódio recente envolvendo agentes do Governo da Paraíba, proprietários da TV Master e jornalistas que cobrem a área de Política na capital do estado escancara mais uma vez a relação nefasta que articula esses segmentos sociais. Um fenômeno que se arrasta desde a consolidação da imprensa industrial, no início do século passado, quando Assis Chateaubriand fundou as bases do seu império midiático com a criação dos Diários Associados.

O que ocorreu nos bastidores do programa Conexão Master, sob o comando do jornalista Luis Torres, reflete a lógica mercadológica de Chatô às avessas, onde o patrocinador tem total controle sobre as fontes e conteúdos do produto jornalístico veiculado em determinado órgão de imprensa.

O modelo de empresa jornalística criado por Chatô teve como base estruturante aquilo que poderíamos chamar de chantagem simbólica, em que o empresariado (e governos de plantão) eram pressionados a oferecer verbas publicitárias para evitar campanhas denuncistas, escândalos midiáticos e até calúnias travestidas de “artigos jornalísticos”.

Bia Barbosa, uma jovem estudiosa desse tipo de fenômeno midiático escreveu recentemente:

Ao contrário do que afirma a grande imprensa, as ameaças à liberdade de expressão no país não vêm das iniciativas de regulação da mídia. No Brasil, é o sistema de concessões e renovação de outorgas de rádio e TV um dos principais mecanismos de concentração da propriedade da mídia e ausência da pluralidade de vozes nos meios de comunicação. Por outro lado, as verbas governamentais para publicidade se transformaram numa nova maneira de influenciar a cobertura dos veículos impressos.



Nesse sentido, dizer que o programa de Torres foi “censurado” pela Secretaria de Comunicação Institucional do Governo do Estado é um tanto quanto fantasioso, uma vez que os contratos publicitários entre o Governo da Paraíba e TV Master, do multimídia Alex Filho, são também um acordo tácito de autocensura para evitar que esse veículo de comunicação promova constrangimentos públicos ao financiante.

Em tempos de institucionalização exacerbada da mídia, os atos explícitos de censura à imprensa, como ocorria durante a ditadura militar, se transformaram em autocensura complacente dos próprios meios e profissionais de comunicação. Foi-se o tempo do jornalismo como “cão de guarda” da sociedade. Hoje o que temos é, no máximo, um jornalismo cão de companhia que só reclama de censura quando algum outro interesse corporativo está em jogo.

Na Paraíba a situação se torna mais séria por causa da dependência quase exclusiva dos meios de comunicação da verba publicitária que vem dos cofres públicos, especialmente aquela oriunda da rubrica da Secretaria de Comunicação Institucional, hoje comandada pela jornalista Lena Guimarães.

O mesmo ocorre na relação da mídia com as principais prefeituras do estado. Em João Pessoa, por exemplo, a Secom foi composta por jornalistas oriundos das principais redações, o que garante à atual administração um controle quase absoluto dos conteúdos a serem veiculados relacionados à prefeitura da capital.

Com as mudanças de governo as verbas publicitárias migram do Sistema Paraíba para o Sistema Correio e vice-versa, dependendo de como esses conglomerados se relacionam com os governantes de plantão. Todos sabem, por exemplo, que com a queda de Cássio Cunha Lima, o Sistema Paraíba sofreu uma redução drástica das verbas oriundas do Estado. A alternativa foi anexar sua linha editorial aos ditames da administração socialista da PMJP. E o noticiário se tornou mais ácido e mais crítico às coisas do Governo Maranhão III.

À margem dessas negociatas, o Sistema Associados consegue ir sobrevivendo numa difícil corda bamba entre a independência editorial e o assédio publicístico das forças políticas paraibanas que se revezam no poder. O mesmo ocorre com empreendimentos menores da comunicação tabajara, que sobrevivem das migalhas do aliciamento midiático institucionalizado.

Por isso havia nas odes das oligarquias políticas e empresariais do país tanto medo em relação aos resultados práticos da primeira Conferência Nacional de Comunicação (CONFECOM), ocorrida em dezembro passado na capital federal. Entre tantas propostas e deliberações aprovadas, as mais contundentes tentam por fim ao tráfico de favores entre empresas de comunicação e agentes políticos.

Uma primeira providência seria a criação dos Conselhos de Comunicação, em âmbito municipal, estadual e federal. São os conselhos que vão regular a distribuição da verba publicitária dos poderes executivos junto às empresas de comunicação. Se forem compostos de forma democrática, com efetiva participação cidadã, os conselhos poderão inibir as práticas de favorecimento para grupo A ou grupo B.

Além disso, novos critérios poderão ser adotados para que empresas disputem o bolo publicitário dos governos. Um deles é que elas estejam OK com o recolhimento do FGTS de seus trabalhadores. Ou que seus conteúdos não atentem contra os direitos humanos nem contra a cidadania.

Outra deliberação importante da CONFECOM foi a que prevê destinação de parte dessa publicidade para veículos comunitários e da comunicação alternativa.

ÉTICA E LIBERDADE DE IMPRENSA

A censura sofrida pela equipe da TV Master tem ainda outros componentes para além da questão da dependência econômica que impõe determinadas mordaças simbólicas aos jornalistas paraibanos. Há uma questão subjacente nesse episódio, diretamente ligado ao exercício da ética profissional e à liberdade de imprensa.

Ao convidar opositores para sabatinar membros do governo atual, Torres e sua produção talvez estivessem armando uma arapuca midiática para seu entrevistado naquele dia, o deputado federal Manoel Júnior (PMDB). Por outro lado, faz parte do jogo democrático o livre debate de idéias, que sem isso não há desenvolvimento social.

Torres pode ter pecado por querer forçar uma barra de colocar num mesmo ambiente “gatos e ratos” do atual cenário político paraibano, mas foi coerente o suficiente em manter seu posicionamento de promotor do debate livre e republicano. Evidentemente, não é fácil, numa Paraíba retrograda como a nossa, favorecer ocasiões contra o vício do “pensamento único”.



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Dalmo Oliveira é jornalista, graduado pela UFPB e mestre em Comunicação pela UFPE.

2 comentários:

De acordo com disse...

Eu achei (e continuo achando) tudo muito combinadinho: Torres-Lena-Alex-Sindicato ausente... hehehe tudo como sempre, a farinha parece mais clara, mas é do mesmo saco.
O bom foi a divulgação de tudo. Isso acontece constantemente, de governos manterem meios de comunicação, mas o jornalista que "faz o jogo" sempre entende que o lucro será dividido por igual. A ilusão também é a mesma, de se ter fiscalização séria nessa área.
No fim, quem paga tudo é o jornalista menos interessado com o trâmite que nos foi ensinado, como bem exposto no texto do Dalmo, pelo mitiqueiro mor Chatô.

Boa reflexão, Dalmo!
Abração!

Pedro Caribé disse...

Belo texto Dalmo, um dos maiores desafios para a luta do direito à comunicação no país hoje é a forma como o poder econômico age vi Estado nos estados e municipios. Precisamos avançar no debate das questões regionais sem idealismo, mas encarando os entraves para regionalização da pauta e do movimento.

abraços
pedro caribé