Jornalistas discutiram, ética e sensacionalismo na mídia local (Foto: Alberi Pontes) |
O Sindicato dos Jornalistas da Paraíba conseguiu articular diversas entidades e segmentos num evento para discutir o comportamento ético da mídia local. Realizado no auditório da OAB-PB, no sábado, dia 9, o evento deixou claro que a iniciativa, apesar de tardia, revela que a sociedade está desprotegida dos ataques cometidos por profissionais da comunicação, em nome do jornalismo e da liberdade de expressão.
Galvão, entre Farena e Patrícia (Foto: Dalmo Oliveira) |
Ele fez menção aos primeiros tablóides sensacionalistas franceses, do século 14, em que eram noticiadas as decapitações dos condenados da época. Segundo Galvão, esse tipo de noticiário atende a “natural” curiosidade humana pelo mórbido e pelo grotesco. O editor-geral do JÁ e do Correio da Paraíba também defendeu a cobertura de qualquer fato que ocorra em locais públicos, especialmente nas vias públicas, ao justificar a cobertura excessiva que a TV Correio dá aos assassinatos e acidentes automobilísticos, por exemplo.
Galvão assinalou, para um público majoritariamente composto de jornalistas, estudantes de jornalismo e advogados, que o barateamento de jornais é uma maneira de dar acesso às pessoas com baixo poder aquisitivo, que também têm direito de ser informadas dos fatos sociais. Ele lembra que quando ocorre um assassinato em via pública, é comum a aglomeração de pessoas, interessadas em saber o que ocorreu e ver a cena, e que a TV apenas estaria ampliando a possibilidade das pessoas verem esse tipo de ocorrência.
O editor tentou justificar também o linguajar chulo utilizado no tablóide sensacionalista que edita. Segundo ele, optou-se por usar palavras, sinônimos e adjetivos dicionarizados. Ou seja, todas as palavras que estiverem nos dicionários da língua portuguesa falada no Brasil poderão ser utilizadas no noticiário do impresso.
Sensacionalismo processado
Walter Galvão revelou que o Sistema Correio vem sofrendo seguidos processos na Justiça por problemas relacionados às matérias sensacionalistas publicadas no JÁ e no Correio Verdade. Para tentar diminuir os reclames judiciais, Galvão disse que uma das últimas medidas adotadas foi a demissão de um dos repórteres-fotográficos da equipe do jornal. “O fotógrafo não conseguia fazer fotos diferentes. Ele gostava de fazer fotos mais realistas”, afirmou o editor.
Mesa eclática discutiu ética dos comunicadores (Foto: Dalmo Oliveira) |
Uma outra intervenção rica foi a da professora do Decomtur, da UFPB, Sandra Moura, que destacou a emergência de mecanismos de controle social para a mídia local. "Aliás, o controle da mídia já existe e é exercido pelos empresários", diz. Ela disse, por exemplo, que o jornalista global Caco Barcellos revelou numa pesquisa em São Paulo, que a maioria das pessoas notificadas nos Boletins de Ocorrência da polícia (BOs) eram inocentes. Moura destaca a prevalência de afrodescendentes nas mortes policiais.
Sandra Moura citou o pensador francês Edgar Morin, ao falar do conceito de In print social, que seriam espécies de marcas sociais nos indivíduos. A ideia dialoga com a teoria do espelho, em que a mídia simplesmente refletiria a realidade da sociedade. “O que se percebe, nisso tudo, é que as empresas de comunicação não têm responsabilidade social. Na cobertura policial, o que ocorre é um zelo excessivo pelo B.O. O jornalista não vai além do que está escrito no boletim da polícia”, afirma.
Calar para não errar
O representante do Ministério Público Federal, procurador Duciran Farena, acha que a Imprensa é considerada aliada do desenvolvimento e da democracia, “mas pode destruir a vida das pessoas e de famílias inteiras, e pode também danificar a democracia”. Ela considera que o noticiário paraibano trata os alvos das matérias com “dois pesos e duas medidas”, dependendo de quem forem as personagens das notícias. Segundo Farena, a cobertura midiática sensacionalista na Paraíba age com um tipo especial de seletividade.
Farena defende que a Imprensa deve silenciar quando os fatos que estiver apurando não estiverem claros. “Os programas sensacionalistas são fábricas de degradação dos direitos humanos, de desrespeito à cidadania. Qual interesse nisso?”, questiona. Ele considera que o horário dos programas sensacionalistas na TV e nas rádios é impróprio e inadequado. O procurador também foi enfático ao considerar que liberdade de imprensa não pode se sobrepor às demais. “Não é um direito absoluto. A Imprensa precisa funcionar dentro de certos limites”, assevera.
Outra acadêmica chamada a opinar foi a jornalista Patrícia Moreira, coordenadora do recém-criado curso de Jornalismo das Faculdades Maurício de Nassau. Ela citou o caso Realengo, onde as crianças da escola foram super-expostas ao se tornaram fontes da cobertura midiática. Monteiro também aponta o “tom de denuncismo” adotado invariavelmente pelos radialistas e jornalistas sensacionalistas. ”O apresentador desse tipo de programa age como árbitro e se utiliza de uma violência discursiva”, analisa. A professora ressaltou que os advogados também usam a estratégia discursiva da espetacularização quando fazem a defesa ou o ataque de réus nas cortes, mostrando que esse é um fenômeno que atinge outras categorias. Patrícia acha que tornar comum é diferente de banalizar. Para ela, sensacionalismo é extrapolar os limites da notícia.
Tiro no pé
Ex-ombudsman do Correio da Paraíba, o colunista Rubens Nóbrega, lembrou que as concessões de rádio e TV são públicas e devem ser regidas pela legislação vigente. "Acho que ao adotarem esse tipo de jornalismo, as empresas de Comunicação estão dando tiro no próprio pé", ponderou Nóbrega. Ele tem dúvidas se os programas policiais são programas jornalísticos ou de humor. Rubens lembrou o caso de um casal dono de escola em São Paulo denunciado de pedofilia pela mídia paulista, e que depois ficou provado que eram inocentes. “A escola fechou, o casal se separou, a vida deles foi arruinada. A liberdade de expressão deve ser compreendida dentro de um código de ética”, defende o decano jornalista.
O presidente da OAB-PB, Odon Bezerra, disse que a entidade tem interesse em carregar mais essa bandeira, já que a ética é a principal razão de existir da própria Ordem. "Eu digo sempre que na mídia, as más notícias são destinadas apenas aos 'filhos da'”. Bezerra conclui que os 'filhos de' aparecem sempre bem na foto midiática local.
O Sistema Arapuan também está na mira das ações pela ética na mídia na Paraíba, principalmente depois da contratação do radialista Anacleto Reinaldo para apresentar o famigerado Cidade em Ação. Reinaldo se notabilizou no rádio paraibano pelo ataque corriqueiro às chamadas “minorias”, especialmente ao segmento LGBTT. Durante o evento, várias pessoas se manifestaram contra a maneira criminosa como o “Boca Quente” faz apologia ao crime, à pena de morte, às execuções de supostos bandidos pela polícia, à exploração sexual de adolescentes, entre outras barbaridades. Anacleto é também o campeão de palavrões, xingamentos e baixarias nos programas desse naipe. Recentemente o movimento de mulheres denunciou o apresentador boca-suja pelo ataque que costuma fazer contra a Lei Maria da Penha.
Sociedade desprotegida
Além das falas dos convidados para a mesa de debate, vários jornalistas que estavam na plateia do evento também se manifestaram em relação ao tema. O repórter e radialista Jonas Batista, disse que participou da criação de vários dos programas policiais de TV que estão no ar atualmente. “Mas o nível era outro”, garante. “Só está faltando os caras levarem as vísceras das pessoas assassinadas para o estúdio”, adverte Batista.
Felipe Donner, diretor do Sindicato dos Jornalistas, produtor de emissoras do Sistema Paraíba, fez uma intervenção defendendo que a Universidade ofereça cursos de reciclagem para tentar melhorar o nível dos programas sensacionalistas. Sandra Moura disse que está prevista especialização abordando ética e direitos humanos, mas que os cursos não são obrigatórios, participando deles apenas aqueles comunicadores que desejarem. Ela disse que a Universidade pode criar também atividades de Extensão visando esse tipo de aperfeiçoamento profissional.
Edson Verber, repórter do Correio da Paraíba, diretor do Sindicato dos Jornalistas e da Fenaj, e membro da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira-PB), lembrou que o noticiário sensacionalismo pode estar estimulando o extermínio de jovens negros. Ele lembrou que para cada um jovem branco, vítima da violência (inclusive policial), 21 jovens negros morrem pelas mesmas causas.
Lúcia Figueiredo, repórter da Rádio Tabajara e também diretora da Fenaj, lembrou que a CONFECOM deliberou várias propostas para inibir as práticas do jornalismo danoso à cidadania, e que é preciso implementá-las urgentemente na Paraíba. Na mesma linha, Rubens Nóbrega lembrou que a Paraíba é um dos poucos estados brasileiros que tem em sua Constituição um capítulo exclusivamente dedicado à Comunicação, mas que nunca saiu do papel. O Capítulo V, da nossa Constituição estadual prevê, no seu Artigo 239, que “A política de comunicação social, no âmbito do Estado e nos veículos de comunicação de massa mantidos pelo Poder Público, sob a forma de fundação, autarquia ou empresa de economia mista, será definida, orientada, executada e fiscalizada pelo Conselho de Comunicação Social”. A discussão sobre ética na mídia local acabou descambando também para a discussão sobre a criação do Conselho Federal de Jornalismo e também sobre o fim da obrigatoriedade do diploma superior para o exercício da profissão.
“Fica evidente que a sociedade paraibana está totalmente desprotegida dos jornalistas e comunicadores que atacam cotidianamente a cidadania e os direitos humanos. Não basta que desliguemos nossas TVs e rádios ao meio dia, ou que não compremos os jornais sensacionalistas. É preciso que os movimentos sociais, as entidades de classe e o poder público tomem alguma providencia contra esses abusos”, defende Dalmo Oliveira, ex-diretor do Sindicato dos Jornalistas, membro do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial (CEPIR-PB) e coordenador da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária na Paraíba (ABRAÇO-PB).
Para Oliveira, o problema tomou a proporção atual muito também pela omissão, negligência e corporativismo das entidades que representam os profissionais da mídia na Paraíba, especialmente o Sindicato dos Radialistas (não convidado ao evento), Sindicato dos Jornalistas e a Associação Paraibana de Imprensa (API). “Quantas vezes a Comissão de Ética do sindicato abriu processo disciplinar contra os jornalistas que atropelaram nosso código de ética?”, perguntou Dalmo ao atual presidente da entidade e organizador do evento.
Land Seixas não gostou da pergunta e tergiversou dizendo que os profissionais mais antiéticos que comandam os programas sensacionalistas não são filiados à entidade. Disse também que a Comissão de Ética do SJPEPB só instaura processos quando recebe alguma denúncia e que isso nunca havia ocorrido. Land acusou Dalmo de querer usar o momento para levantar “questões pessoais” contra ele, uma vez que, recentemente, havia processado Oliveira na Justiça por calúnia e difamação, em decorrência de acusações sofridas durante a última eleição para a direção da entidade, há três anos. Dalmo Oliveira foi obrigado a se retratar publicamente das acusações por não ter obtido as provas das denúncias que fez contra Seixas.
No final do evento, os organizadores propuseram a redação e divulgação ampla de um documento público, repudiando a falta de ética e os crimes de imprensa da mídia paraibana. Foi acatada ainda a sugestão da professora Sandra Moura para a criação do Fórum Ética e Mídia da Paraíba (FEMI-PB). “Será elaborado um calendário de encontros e debates sobre os temas que envolvam a relação mídia, poder e ética”, informou, posteriormente, o advogado Alexandre Guedes, ex-membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-PB.
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