por Dalmo Oliveira
Ministro Hélio Costa: governo dominado
A publicação do decreto assinado pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva convocando para os dias 1, 2 e 3 de dezembro, em Brasília, a primeira Conferência de Comunicação (CONFECOM) representa um dos mais esperados capítulos na história da redemocratização brasileira.
Redemocratização que começa com os primeiros movimentos pelas Diretas-Já! em meados da década de 80 e se consolida com a participação da sociedade brasileira na discussão, proposição e implementação de políticas públicas em diversos setores-chave do país, através da realização de conferências públicas, a exemplo da Saúde (13ª edição), Educação, Direitos Humanos, Juventude, Segurança Alimentar etc.
O processo comunicacional torna-se, assim, um dos derradeiros bastiões onde a participação popular ainda não possui, efetivamente, permissão para intervir, sendo mantido secularmente pelo julgo dos capitalistas e da regulação do governo central.
Significa dizer claramente ao cidadão brasileiro que a democratização da comunicação permanece sendo uma necessidade reprimida na moderna e quase-democrática sociedade brasileira. Uma repressão histórica que nega às camadas populares o direito básico de acesso ao maravilhoso aparato tecnológico e ideológico proporcionado pela mídia e pelos mecanismos de informação e comunicação otimizados pela revolução cibernética a que assistimos nas últimas décadas.
Para nós, comunicólogos e demais pessoas e entidades interessados diretamente no processo contemporâneo da comunicação social, não seria exagero dizer que o direito à comunicação é tão vital para a saúde coletiva do nosso país, quanto o direito à agua e aos alimentos, o direito à liberdade, ao trabalho, ao conhecimento e ao amor.
Nesse sentido é que consideramos a promoção da democratização da comunicação, inicialmente através de uma discussão ampla, popular, democrática e republicana, tendo a CONFECOM como plataforma social e organizativa, uma tarefa urgente das cidadãs e cidadãos desse país.
Uma discussão de cunho deliberativo, organizada e bancada pelos poderes públicos (municipal, estadual e federal), mas, fundamentalmente, construída pelos atores sociais que historicamente desenvolveram uma responsabilidade social e de classes neste processo.
Um fórum de discussões amplas sobre o papel dos meios de comunicação de massa nas nossas vidas e as consequências de seu funcionamento em meio a uma sociedade complexa e fértil com a brasileira. Onde se discuta e regule as interfaces entre comunicação e cultura, comunicação e poder, comunicação e subjetividades, comunicação e igualdade de gênero, raça e etnias.
Por entendermos que é o processo comunicacional o primeiro responsável pela mediação entre a cidadania e o Estado, o capital e o trabalho, entre as diferenças e especificidades regionais, damos a ele um olhar especial, observando-o como gerador e potencializador de conflitos, mas também de soluções coletivas.
A democratização da comunicação passa, inegavelmente, por uma pedagogia da cidadania, onde os inúmeros setores que compõem o tecido social participem num processo auto-gestionário de um inesgotável processo de ensino/aprendizagem, onde competências e limitações sejam socializadas, para diminuir o foço social entre a cidadania mais vulnerável e os grupos mais privilegiados do ponto de vista econômico, material e político.
Os atores históricos desta construção utilizam o discurso de pensadores como Jesús Martin-Barbero, diagnosticando que “ (…) No fim da era da produção e no começo da era da informação, a crise se resolve em uma reciclagem do sistema que teria sua dinâmica econômica na informação como novo e único espaço de produção de poder e de sentido, e sua legitimação política na separação axiomática entre informação e significação”.
Pensar a comunicação que se processa no estado da Paraíba é o grande desafio desse grupo. Analisar a constituição histórica, econômica e cognitiva do processo de comunicação da sociedade paraibana é uma tarefa indispensável antes de pensar as maneiras de intervenção que a sociedade civil ainda poderá fazer nesse sistema.
Do ponto de vista prático, é preciso lançar propostas de políticas públicas para a gestão dos meios de comunicação mantidos pelo poder público. Na Paraíba vivemos duas realidades distintas nessa esfera: i) Como democratizar a participação popular e cidadão nos órgãos oficiais do Estado, como a Rádio Tabajara e o jornal A União?; ii) Como garantir a participação popular e cidadã nos veículos de comunicação dos poderes públicos que reivindicam para si canais e aparatos comunicacionais, como TV Cidade, TV Câmara, TV Assembléia, TVs Universitárias etc?
O outro importante debate sobre a democratização da comunicação na Paraíba diz respeito à concessão de canais de rádio e tv para entidades comunitárias e associativas de um modo geral, levando-se em conta que a capital, João Pessoa, é hoje a grande cidade brasileira onde pouquíssimas emissoras de caráter “comunitário” receberam autorização para funcionar legalmente.
Para os segmentos do controle social, interessados diretamente na realização da CONFECOM na Paraíba, a discussão básica na história da radiodifusão “alternativa” ou comunitária se vincula mais preferencialmente sob o foco do controle de concessões públicas e na capacitação dos comunicadores populares para a produção de conteúdos próprios do modelo da comunicação comunitária. É preciso, fundamentalmente, inibir a utilização dos canais comunitários por grupos minoritários, com intenção meramente político-partidário-empresarial.
Há que se pensar também o controle de conteúdos e práticas anti-cidadania nas emissoras convencionais. Inibir definitivamente o abuso de comunicadores que atacam os direitos humanos fundamentais, promovendo racismo, homofobia, machismo e outras distorções sociais comuns na mídia paraibana atual. A criação de conselhos de comunicação responsáveis pelo fomento a esse tipo de política pública é uma tarefa inadiável.
É preciso discutir com coragem e equilíbrio a problemática da convergência tecnológica das mídias. A democratização das redes digitais e a gestão de seu desenvolvimento na Paraíba. Imbuído nesta questão aparece a discussão sobre o oligopólios midiáticos, em que pequenos grupos empresariais monopolizam e concentram várias plataformas midiáticas, como rádio, tv, internet, satélites etc.
O que ocorre de fato é a monopolização da fala social por setores sociais que dominam os meios e conteúdos da comunicação paraibana, impondo ao conjunto da sociedade uma pauta de discussão na esfera pública marcada pelos interesses das corporações políticas, religiosas e empresariais.
Isso cria uma outra realidade midiatizada, diferente dos reais interesses da nossa população. O conceito de notícia passa a ser aquele escolhido pelos operadores do sistema comunicacional e não pelo verdadeiro interesse popular e cidadão.
Os efeitos desse tipo de noticiário (e de comunicação) no imaginário e na subjetividade dos usuários do sistema comunicacional tem sido danosos, com a banalização da sexualidade, afetando de forma preocupante o desenvolvimento do caráter e comportamento de crianças e adolescentes. O Conselho Nacional de Psicologia tem alertado à sociedade brasileira para esse tipo de interferência da mídia na formação da subjetividade da população.
A reivindicação popular por democratização da comunicação tem sua fase de organização mais efetiva a partir de 2005. Na Paraíba diversas organizações não-governamentais como ABRAÇO, Amazona e sindicatos de trabalhadores, notadamente o de jornalistas e o Sintell (Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Telefônicas), têm fomentado as discussões acerca desta questão, promovendo eventos e difundindo as reivindicações populares em defesa de uma comunicação mais participativa e democrática.